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domingo, 22 de agosto de 2010

Wikiaves na revista Época - Um mutirão para pegar passarinho

Um mutirão para pegar passarinho



Como um site criado nas horas vagas por um analista mineiro pode virar o maior programa de monitoramento voluntário de aves da América do Sul
MARCELA BUSCATO
Bruno Magalhaes/Nitro/ÉPOCA
À ESPREITA O mineiro Reinaldo Guedes, que desenvolveu o site WikiAves. Ele queria um lugar que reunisse fotos e informações das espécies
A aposentada Márcia Carvalho, de 69 anos, escolhe o alvo de sua caçada no quintal da própria casa, em Penedo, no Rio de Janeiro. Entre as espécies que mais frequentam sua mira estão o tiê-sangue e a saíra-de-sete-cores, ambos conhecidos pela beleza da plumagem. Às vezes, Márcia até monta uma arapuca para facilitar o trabalho: coloca comida em um tronco de árvore para que as aves cheguem mais perto. Feito o disparo, ela exibe o resultado do dia de caça para milhares de pessoas na internet. Não raro, recebe elogios pelo belo exemplar arrematado para sua coleção. “Já tenho 185”, diz Márcia, uma caçadora que não desperta a fúria de ambientalistas. Ao lado de outros 4 mil “caçadores”, Márcia empunha uma câmera fotográfica, não uma arma. Eles ajustam suas lentes e preparam o disparo do obturador para engrossar o maior levantamento de aves já feito por voluntários no Brasil, o site WikiAves (www.wikiaves.com.br).
O site funciona no mesmo espírito colaborativo da Wikipédia, a enciclopédia virtual escrita por voluntários. Mas no WikiAves só entram verbetes sobre bichos penosos e com asas. Os colaboradores, que precisam se registrar, podem compartilhar a foto que fizeram de um pássaro, complementar informações sobre hábitos e ocorrência de uma espécie e até mandar a gravação do canto de uma ave.
A ideia foi do analista de sistemas mineiro Reinaldo César de Oliveira Guedes, de 30 anos. Em 2005, ele e um colega de trabalho compraram o mesmo modelo de câmera fotográfica e começaram a disputar quem tirava fotos melhores. O amigo, dono de um sítio, aparecia toda segunda-feira com fotos de aves encantadoras. De sua casa, na cidade, Guedes só podia registrar corujas. Para não ficar atrás, ele usou sua experiência profissional para criar um site que funcionasse como uma base de dados. “Era muito difícil encontrar no mesmo lugar da internet a imagem da espécie e as informações sobre seus hábitos”, diz. Em dezembro de 2008, ele colocou no ar o WikiAves. Na semana passada, o site chegou à primeira posição do ranking que avalia os sites sobre aves mais visitados do mundo.
Das cerca de 1.800 espécies encontradas no Brasil, 1.598 já estão no WikiAves. O site conta com mais de 131 mil fotos e 9.400 gravações de áudio. “O WikiAves está se tornando o maior programa de monitoramento voluntário de aves da América do Sul”, afirma o ornitólogo Luís Fábio Silveira, curador das coleções de aves do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Como os colaboradores podem registrar em que lugar tiraram a fotografia, o WikiAves pode auxiliar os cientistas a acompanhar a distribuição das espécies e até perceber indícios de risco de extinção.
De acordo com Silveira, o WikiAves conseguiu um registro que nem as universidades tinham: a primeira fotografia de uma espécie até então não registrada no Brasil, o anambé-de-whitely. Ele foi fotografado por um colaborador em Uiramutã, a cidade mais ao norte do Brasil, na divisa de Roraima com a Guiana e a Venezuela. “Essa é a ciência colaborativa”, diz o veterinário João Marcelo da Costa, um dos moderadores do site. “Qualquer pessoa, de especialistas a leigos, pode ajudar a construir esse inventário de aves.” Alguns fotógrafos costumam baixar de sites especializados o canto de uma espécie, ir a locais indicados por biólogos e “chamar” os passarinhos, com um MP3 ligado a uma caixa de som. Outros clicam pássaros bonitos e pedem a ajuda dos internautas para identificá-los.
Os principais colaboradores do WikiAves podem passar horas em campo, com um guia de espécies na mão, à espreita de um pássaro, só pelo gosto de fazer a melhor foto. O ornitólogo Raphael Sobania, de Curitiba, colaborador do site, incluiu o WikiAves em suas expedições. Com um celular, ele consulta o site para ajudar na identificação das aves. O site divulga a atividade no país. “Muitos colaboradores só se tornaram observadores por causa do WikiAves”, diz Sobania.
É o caso do arquiteto Tancredo Maia, morador de Brasília. Entusiasta da fotografia de natureza, ele só abraçou o hobby depois de descobrir que poderia compartilhar os retratos que tirava. Ele arriscava seus primeiros cliques durante um passeio no parque quando um colega lhe falou do site. Há um ano cadastrado no WikiAves, Maia já registrou 164 espécies. Planeja uma viagem ainda neste ano às margens do Rio Juruá, no Acre, Estado em que nasceu. Ele quer registrar aves ainda ausentes do WikiAves, como a saíra-opala e a choca-do-acre. “É claro que tem esse gosto de competição, mas é muito emocionante fazer os registros”, diz Maia, que iniciou o neto Samuel na observação de pássaros. Até a semana passada, o estudante de 9 anos havia publicado 28 fotos de 23 espécies. É a mais nova geração de caçadores virtuais.

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