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domingo, 5 de outubro de 2008

Abelharucos


A edição de outubro/2008 da sempre estupenda revista National Geographic Brasil está ótima. Tem uma reportagem fotográfica de um pássaro muito interessante e com um nome popular (traduzido não sei de que forma) muito intrigante. É o Abelharuco, da família Meropidae. O nome em inglês é mais esclarecedor, bee-eater, ou seja, comedor de abelhas. É uma ave que não voa no Brasil e na América, é habitante da Europa, África e Ásia ocidental. Mas pelo que eu li na reportagem achei que tem muitas semelhanças com as nossas arirambas, aves da família Galbulidae.
A seguir uma reprodução de parte do artigo da National, revelando o comportamento interessantissimo dos abelharucos, e algumas das maravilhosas fotos.
O texto é de Bruce Barcott. As fotos são de József L. Szentpéteri. A última foto é de uma ariramba, foi tirada por Gill Carter no Rio Cristalino, Alta Floresta, Mato Grosso, Brasil.



"Keats, o poeta romântico da Grã-Bretanha, tinha o seu rouxinol. O americano Poe, não menos romântico, escolheu o corvo. A vida do abelharuco-europeu (Merops apiaster), porém, plena de intrigas familiares, perigos, tramóias e resplandecente beleza, está mais para epopéia, disseminando-se por vários continentes. O abelharuco dispara pelo céu com seu chamativo traje multicolorido: coroa marrom-avermelhada, máscara preta, peito turquesa e penas na garganta da cor de trigo maduro. Vestes adequadas a um pássaro que gosta de viver perigosamente.

Fazendo jus a seu nome, o abelharuco adora comer abelha, embora também aprecie libélula, mariposa, cupim, borboleta - quase tudo que voe. Depois de abocanhar seu lanchinho em pleno vôo, o pássaro retorna ao poleiro para extrair o veneno da abelha. Com o inseto preso no bico, ele soca a cabeça dele num lado do galho, esfregando seu abdome - onde fica a bolsa de veneno - do outro lado. A esfregação faz com que a abelha libere suas toxinas.



A vasta maioria desses pássaros forma clãs que se encarregam de criar os filhotes durante a primavera e o verão, numa ampla extensão territorial que vai da Espanha ao Cazaquistão - um pequeno grupo vive principalmente na África do Sul. Fazendas, campos e vales fluviais abrigam uma fartura de colônias de insetos. Quando topam com uma colméia, os pássaros esbaldam-se - um pesquisador encontrou uma centena de abelhas no estômago de um abelharuco próximo a uma colméia.

As abelhas-européias passam o inverno recolhidas no interior da colméia, o que faz secar a principal fonte alimentícia do abelharuco. Assim, no fim do verão termina o idílio dos pássaros jovens, cujos clãs iniciam longa e perigosa jornada. Bandos massivos de abelharucos da Espanha, da França e do norte da Itália cruzam o estreito de Gibraltar para sobrevoar o Saara rumo a seus territórios invernais na África ocidental. Abelharucos da Hungria e de outras partes da Europa central e do leste atravessam o Mediterrâneo e o deserto da Arábia para invernar no sul da África.



"Tais migrações constituem um estratagema de alto risco", diz C. Hilary Fry, ornitólogo britânico. Ao convergir para o Mediterrâneo, as aves vêem-se forçadas a despistar um tipo de falcão predador que alimenta seus filhotes com pássaros canoros migrantes. "Pelo menos 30% dos abelharucos serão abatidos pelos predadores ou por outros fatores, antes que possam retornar à Europa na primavera seguinte", afirma Fry.

Assim que os pássaros chegam à África, a época do acasalamento começa em grande estilo. Os machos permanecem com o próprio clã, recebendo a visita de fêmeas "estrangeiras", enquanto suas fêmeas partem em missão de adicionar seus genes a outros grupos distantes. Essa prática, restrita aos indivíduos jovens, garante uma saudável mistura de DNA a cada geração - os pássaros mais velhos tendem à monogamia. Dessa maneira, machos espanhóis cruzam com fêmeas italianas, pássaros húngaros se encontram com cazaques, e todos formam seus pares fixos pelo resto da vida.



Quando abril chega, é hora de voltar para a Europa. Machos de 1 ano de idade retornam a seus locais de origem com as novas companheiras. Seus lares são cavados nas encostas de arenito ou barrancas arenosas dos rios já plenas de tocas escavadas por outros pássaros no passado. São túneis ovais do comprimento de uma perna masculina e com um punho de largura. Os abelharucos desprezam as tocas já existentes e constroem as próprias. Eles bicam e escavam por mais de 20 dias de enfiada. Ao fim do trabalho terão removido de 7 a 13 quilos de terra - mais de 80 vezes o seu peso, que oscila entre 44 e 78 gramas -, desgastando em 2 milímetros seu bico.

A época da nidificação é própria para alianças familiares e muita intriga. Os membros da família Meropidae, que inclui 25 espécies de abelharucos, são conhecidos pelo espírito cooperativo com que criam sua prole. Em uma dada colônia é possível haver numerosos "auxiliares de ninho" - filhos ou tios que ajudam a alimentar os filhotes de seus pais ou irmãos. De um ponto de vista evolucionário, os auxiliares também se beneficiam: pais que contam com eles podem prover suas crias com mais alimento, garantindo dessa maneira a linhagem familiar.

O negócio então é recrutar auxiliares. Os abelharucos-europeus os encontram entre os machos cujos próprios ninhos não prosperaram devido a causas naturais. No entanto, trapaça e roubo não são incomuns. "Quase tudo de perverso que você puder pensar acontece nessas colônias", diz o biólogo Stephen Emlen, da Universidade Cornell. Se uma fêmea sai da toca para se alimentar, outra pode se insinuar lá dentro para botar seus ovos - uma tática que visa enganar a vizinha induzindo-a a cuidar da prole alheia. De modo semelhante, se um macho deixa o ninho desprotegido, outros podem aproveitar a oportunidade para copular com sua "senhora". Certos abelharucos partem ocasionalmente para a franca roubalheira assediando vizinhos que tentam retornar ao ninho carregando comida até vê-los derrubar o inseto, logo apanhado pelo ladrão, que bate asas em retirada.



É uma vida curta e espetacular. Um abelharuco-europeu pode chegar aos 5 anos de idade, talvez 6. Os rigores da migração, que incluem escapar de falcões ao longo da jornada, cobram seu preço a todos os pássaros. Os abelharucos hoje em dia arcam com a perda de insetos para os inseticidas e a extinção dos locais de nidificação, como rios que viram canais com margens concretadas. Mas que bela história a deles, apesar de curta: caçadas a abelhas, amor livre, assaltos a colméias, intrigas nos ninhos e as travessias de Gibraltar. Dizem os compêndios sobre pássaros que os abelharucos são muito "comuns em todas as áreas de ocorrência da espécie". No entanto, chamar esse pássaro tão belo e audaz de "comum" é uma tremenda injustiça."

O mais recente livro de Bruce Barcott é The Last Flight the Scarlet Macaw. Jószef L. Szentpéteri fotografou libélulas para a edição de abril de 2006.



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