Reproduzo uma crônica do jornalista Michael Kepp, publicada no site da Folha de São Paulo no dia 15/01/2013.
Para observar, não basta olhar
Minha aversão aos observadores de aves começou numa pousada no Pantanal mato-grossense onde um deles puxou papo comigo. Mas, quando um tucano passou voando, ele pulou da cadeira com a câmera na mão sem nem me dar "tchau". Ou, como explicou outro gringo do grupo dele: "Quando observadores de aves conversam, estão apenas matando tempo até aparecer outro pássaro".
Para esses americanos, o Brasil não era uma nova cultura, nem mesmo um "pot-pourri" de paisagens a conhecer. Era apenas um campo no qual queriam identificar e colher troféus fotográficos de novas penas.
Os brasileiros que têm o mesmo hobby são igualmente obcecados. Recentemente, à noite e sob chuvisco, 30 deles aguardaram num pasto pelo que me pareceu uma eternidade para fotografar um narcejão, uma ave grande, de bico longo, que às vezes pousa nesse local na hora do crepúsculo. Mas não naquela noite. E eu só mostrava impaciência.
Então por que estava no meio desses fanáticos? Dois anos antes, na Amazônia e com um binóculo emprestado, penetrei no mundo deles e fiquei sem fôlego. Assim, de volta ao Rio, comprei um binóculo melhor, comecei a ir ao Jardim Botânico e aquele mundo entrou em foco mais preciso.
Para observá-lo, olho nu não basta. Muitas aves são pequenas, ariscas ou estão distantes. Logo, é preciso dispor de uma boa câmera ou um bom binóculo para captar todas as tonalidades de uma saíra-de-sete-cores ou de um beija-flor-de-fronte-violeta.
Sim, eu virei membro de uma tribo que rejeitava! Nos passeios mensais para avistar as aves do arboreto, também eu encerro bate-papos quando uma passa voando.
Mas não faço parte dos paparazzi que clicam as espécies mais célebres do arboreto com teleobjetivas grandes e usam playback dos cantos das aves para atraí-las. Para mim, basta o binóculo.
Sendo novato, contudo, fico encantado quando vejo pela primeira vez um exemplar de uma das 170 espécies de ave do Jardim Botânico. Recentemente o guia do passeio me ajudou a identificar outras quatro, inclusive o menor pica-pau do país. A cada descoberta eu soltava um "uau"--não o nome científico que observadores sérios usam.
Após meu quarto "uau", o guia falou: "Há anos não vejo tantas aves novas aqui em uma só manhã". O olhar em seu rosto revelava não inveja, mas a alegria que sentia por enxergá-las através de meus olhos. Ele estava me deixando ver sua própria nostalgia do mundo.
Ei, pintassilgo. Oi, pintaroxo, Melro, uirapuru. Ai, chega-e-vira, Engole-vento, Saíra, inhambu. Foge asa-branca. Vai, patativa, Tordo, tuju, tuim. Xô, tié-sangue. Xô, tié-fogo. Xô, rouxinol, sem fim. Some, coleiro. Anda, trigueiro. Te esconde colibri. Voa, macuco. Voa, viúva, Utiariti. Bico calado. Toma cuidado. Que o homem vem aí. O homem vem aí!
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