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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O trem das 7h40 - crônica de José de Souza Martins

Momento tristezas do Jeca. Deliciosa crônica de José de Souza Martins, publicada pelo Estadão em 27/08/2012.


José de Souza Martins - O Estado de S.Paulo
Quando viajávamos para a casa de meus avós maternos, no Arriá, bairro rural do Pinhalzinho, em Bragança Paulista, o trem sempre saía da estação da Luz no mesmo horário: 7h40 da manhã. Na ansiedade da viagem, de madrugada já começavam nossas férias de começo e de meio de ano. Tomávamos o trem em São Caetano aí pelas 6h, para estar na Luz às 6h30. O trem para Jundiaí partia da plataforma da Rua Mauá. Nervosismo, excitação, disputa para achar um lugar junto à janela. E a São Paulo urbana ia raleando até a Lapa, os bairros e subúrbios românticos e calmos fugindo ao olhar na pressa do trem, agarrados à cauda de fumaça da locomotiva a vapor. Da Lapa em diante começava o interior, cheiro de capim-gordura, casas esparsas, roças aqui e ali, vacas pastando, anúncios do Café Paraventi nas estações isoladas. Lá longe, o Pico do Jaraguá viajando em sentido contrário.
Depois de Belém de Jundiaí (hoje Francisco Morato) vinha Botujuru, estações muito antigas. Adiante, o túnel, vidros levantados às pressas para evitar que as fagulhas da locomotiva a vapor queimassem a roupa domingueira dos viajantes. O bilheteiro passava, cantando: "Próxima estação, Campo Limpo! Baldeação para a Bragantina!"
Campo Limpo era um lugar ermo, apenas a estação e umas poucas casas de empregados da ferrovia. Suas manhãs eram lindas manhãs de roça, mato e neblina, cheiro de café coado de pouco. O trem da Bragantina saía 10 minutos depois da chegada do da São Paulo Railway. Dava tempo para um cafezinho no bar da estação, um pastel, um doce. Se tempo não desse, havia o sanduíche de mortadela e a Tubaína, refrigerante do interior, vendidos no trem por um empregado uniformizado. A locomotiva era antiga, do século 19, que tinha nome, "Dr. Luiz Leme", em enorme placa de metal. Hoje ela descansa sob um telheiro junto ao local em que houve a estação do Taboão, em cuja praça fronteira as folhas largas dos plátanos amarelavam e caíam com a passagem do tempo e da vida.
O trem chegava em Bragança às 11h07. Do outro lado da rua, à porta da Pensão Brasil, parava a jardineira dos Granatos, que ia para Socorro e Thermas de Lindoia. Subia devagar a Serra das Araras. No meio do caminho parava para que os passageiros tomassem a água de uma bica, que vinha do meio da mata e lá do alto. Do lado de baixo, um extenso cafezal, de velha fazenda, cuja sede e cujas tulhas eram pintas brancas no verde distante. Pouco adiante, na Rosa Mendes, descíamos. Depois, era uma caminhada de dez minutos até a casinha branca de pau a pique de meus avós, e o feijão com farinha de milho, do almoço, o aroma do café plantado, colhido, secado, pilado, torrado, moído e coado por minha avó. Um aroma que se sentia de longe. No meio do caminho uma velha araucária, que talvez ainda exista, carregada de pinhões e de saudade.

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