Ei, pintassilgo. Oi, pintaroxo, Melro, uirapuru. Ai, chega-e-vira, Engole-vento, Saíra, inhambu. Foge asa-branca. Vai, patativa, Tordo, tuju, tuim. Xô, tié-sangue. Xô, tié-fogo. Xô, rouxinol, sem fim. Some, coleiro. Anda, trigueiro. Te esconde colibri. Voa, macuco. Voa, viúva, Utiariti. Bico calado. Toma cuidado. Que o homem vem aí. O homem vem aí!
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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Jaú, varandas e tucanos
Reproduzo a seguir uma bela crônica do Nando Reis.
Publicada no Estadão de 07/01/2009.
XV de Jahú
Nando Reis
Fim de semana passado estive em Jaú, visitando meu pai. Seu pai e sua mãe nasceram ali, assim como ele. Meu pai hoje mora na casa que foi a sede da antiga fazenda Frei Galvão, assim batizada como uma homenagem a minha avó, descendente do nosso primeiro e único santo. Era lá, durante os anos 70, que se produzia a manteiga e o leite que foram vendidos na cidade. Na embalagem, ilustrando o nome da marca caseira e familiar, uma imagem do frei desenhada pelos punhos de meu próprio pai. Os produtos conservavam o frescor e a pureza que a canonização futura veio a certificar com legitimidade e surpresa. Leite é o alimento santo que vitaliza a humanidade de nosso corpo profano, imperfeito e pecador. A manteiga é a materialização de nossa natureza engenhosa - transformar sem nunca desperdiçar, exercício que demonstra humildade e consciência de nossa própria degradação. Depois do pecado original parte da civilização se desenvolveu em cima dessa ideia corretiva: melhorar, sempre que possível, o que está ao nosso entorno já que a alma foi definitivamente maculada.
A fazenda que foi comprada por meu avô nos anos 50 viveu seu apogeu graças ao café. O lindo terreiro ainda guarda assentado na memória horizontal e ocre de seus tijolos a beleza e a pujança dos grãos beneficiados. A geada de 75 pôs fim ao ciclo vitorioso e o declínio se insinuou sem que a minha ingenuidade adolescente se desse conta da gravidade. Muito do que sou é pelo que ali vivi - nos Carnavais ensandecidos dos bailes do Caiçara à poesia de Souzândrade que lia pendurado nos galhos do velho abacateiro brotado quase no fim do pomar, me fiz. E o barro vermelho da terra roxa ainda permanece grudado, mesmo que invisível, na sola dos meus sapatos.
Proseando no terraço rodeado de bouganvilles, eu e meu pai passamos a tarde percorrendo assuntos inevitáveis: a origem da fazenda que acabou por puxar a história de outra anterior e fundamental - o Tucumã e o relato de sua divisão; os ancestrais e o primeiro e patriarcal Cassiano; a crise de 29, a ida pra Duartina, a volta para Jaú, a aquisição das terras, sua expansão, sua estagnação, seu declínio, a morte de meu avô; falamos da importância da permanência dessa fazenda, mesmo que fracionada, como posse de nossa família. Mas tudo entre nós sempre acaba desaguando no futebol. Falamos sobre meu avô e a construção do Pacaembu; sobre o atleta que foi meu pai, corredor de 110 metros com barreiras, defendendo o azul e amarelo da Poli ou as três cores do São Paulo. E falamos também sobre os tempos de glória do XV de Jaú, da construção das arquibancadas de madeira do Zezinho Magalhães.
Foi nesse momento que meu pai interrompeu a fala e apontou para o céu tingido que por trás de mim simulava o milagre da Criação: "Olha que pássaro grande!" E quando pudemos acertar os ponteiros de nossos olhos com a paisagem da ave pousada no galho da enorme seringueira crescida nas costas da capela, identificamos o casal de tucanos. Sim, um par de tucanos estava parado ali na nossa frente! Encantados com a ilustre e rara presença das aves, silenciamos diante da imagem restauradora. De repente, junto daquele par de bicos alaranjados e ocos, tudo se refez: o café brotou na lavoura, a cocheira se encheu de gado e os baldes derramaram leite; a manteiga suavemente se esparramou sobre o pão saído do forno e o relógio imenso e desproporcional voltou a funcionar; sussurrou no ar um suspiro, o beato antigo. Naquele conciso minuto enquanto os tucanos nos brindavam com sua improvável harmonia, ouvimos a voz rouca de meu avô gritar novamente um gol do XV de Jaú!
Varanda da sede da fazenda Tucuman em 1918
Varanda da sede da fazenda Tucuman em 2004
Varanda da sede da fazenda Pouso Alegre de Cima
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Um comentário:
Meu amigo Luiz Álvaro, não faz nem uma hora ou quase isso, pesquisava sobre parasitismo do chopim para uma questão-desafio do nosso amigo Rogerio Wisniewski. Bem, consultei, li, enviei os links, enfim, tentei dar "ares e fumos" de entendido, convenhamos, via google.
Quando, fui checar a postagem dos amigos e blogs amigos, para minha surpresa, estava lá "Jaú, varandas e tucanos" no Surucuá, não sei se com maíscula ou minúscula, não vem ao caso.
Confesso, emocionado que essa foi a resposta mais sublime a uma questão tão premente como viver e conviver. Resposta clara, sua, do Nando Reis e todos aqueles que buscam na memória, nos laços familiares, na própria história vivida e sonhada. Não é faceta de idílicos pensar assim, rememorar, projetar.
Família Reis, manteiga Frei Galvão, família Galvão, sede de fazendas, as glórias passadas do XV de Novembro de Jaú, carnavais no Caiçara Clube, pés de árvores frutíferas, espaços de leitura de poesia. Por que não Tucanos? Sonho tanto em avistá-los.
A essa altura, em que pé e sentido fica o nosso provincianismo( sem esquecer o primeiro "n"). Tão afirmado, tão bem fundamentado nas linhas de Marco Antonio Villa, professor ilustre da Universidade Federal de São Carlos. Interior como Jaú.
Talvez, seja aquele que presenciamos todos os dias. Não aquele esquecido nas reminiscências de Nando Reis. Talvez, eu me engane. Ainda mais, hoje que estive na RPPN Amadeu Botelho, Fazenda Santo Antonio dos Ypês, dia que também, rememorei minha infãncia, minha adolescência. Ah! Passou vários filmes em minha cabeça: cachoeira próxima à colônia de cima, rio dos padres, samanbaia e avenca, "pontear" do alto da cachoeira, idas e vindas, muitas pernadas, muito contato com a natureza, garapa de cana, lógico ao som melodioso de nossos pássaros, soltos é claro. Tanto passei do lado, nunca pude entrar. Hoje, 09/01/2009, conheci finalmente as áreas restritas dessa mata tão preservada, sonhada, idealizada, contada, recontada.
Não é coincidência, tudo isso? Se não fosse, a vontade de avistar e registrar as aves. Como surgiria a oportinidade. Embora, devo deixar claro, o Toni Carioba, um dos proprietários, desenvolve um trabalho de conservação e educação ambiental dos mais sérios que conheço.
Acho que é resposta, fundamental, acho que é presente, muito bem vindo, estava me esquecendo adoro varandas, construí um pequena aqui em casa, mas construí( varanda para fazendas, passeio para casas). Realmente dá para sentir essa atmosfera, essa coisa boa, esse bem querer. Assim como, existe tantas outras histórias para recordar e viver.
Termino, enviando abraços ao amigo, ao Nando Reis, ao Toni Carioba, que amam as aves assim como eu. Ao Marco Antonio Villa, um abraço e uma certeza, o interior é muito mais que seu provincianismo, assim espero.
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